
Sobre o artista
O mundo é decepcionante.
O ser entregue à razão encontra força na solidão.
É por isso nos fazemos artistas. E produzimos obras que consistem em levantar enganos nos quais a suposta realidade, enredada, torna-se ingênua.
Tornamo-nos “senhores de coisas” plasmando-as numa imobilidade intensa.
Os desenhos que Sérgio Vaz nos mostra são feitos de personagens sem referência, esvaziados de seus cenários, que lançam dúvidas radicais sobre o princípio da realidade. Os seres estão envolvidos numa intensa imobilidade e seus gestos e atitudes estão plasmados no espaço. São personagens que habitam numa dimensão metafísica. Num lugar onde as “coisas” sonham.
O artista produz um simulacro com plena consciência do jogo e do artifício, acrescentando na imagem real a sua falsa realidade. Ele nos engana, engatilha armadilhas, cria engodos para nos fazer encontrar através da ilusão positiva e vital das aparências.
Só depois percebemos que fomos levados a uma terra de ninguém.
O domínio técnico em si mesmo não é garantia suficiente para dar sentido a uma obra. Sérgio executa seus grafites regidos pela precisão, na qual intenção e gesto encontram-se em absoluta consonância. Ele não incorre nos perigos da elegância gratuita de uma artesania bem elaborada. Ele investe numa metodologia obsessiva em que o rigor e o ato de decisão de cada traço apontam para a ação artística. Esses desenhos se equilibram entre a objetividade formal e a superação desse valor através da adição de uma poética de cunho subjetivo e comprometida com a angústia humana. São “cenas” que parecem ressaltar a tristeza e a pequenez da vida diante da morte, dos gestos e dos pavores de seres que surgem atormentados em meio a uma luz trágica e densa como a de uma atmosfera sem vento. E a obra se revela em um mundo muito anterior ao sentido da realidade, pois antes de ser representada ela é interpretada, deixando nos desenhos um foco secreto. Não sabemos o que é que produz esse foco. Não podemos fixar a hora em que o mistério se evidenciou para se anunciar como um problema.
Mas que diferença faz?
Sabemos que Sérgio foi além das representações de uma imagem e ir além da imagem é negá-la.
E ele a nega.
E nega muito bem.
Miguel Gontijo
Artista plástico


